Erdogan visa enfraquecer curdos e mudar Constituição para se recandidatar

  • 21/12/2024

Num contexto em que o Presidente turco pretende "recandidatar-se em 2028", mas se depara com o obstáculo constitucional que "proíbe que o Presidente exerça mais do que dois mandatos", a influência da Turquia no colapso do regime sírio poderá impactar a política interna turca, sustentou Isabel David, professora do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas (ISCSP), em entrevista à Lusa.

 

E, adiantou, para emendar a Constituição turca Erdogan "precisa de enfraquecer os curdos", etnia espalhada entre o território sírio, iraquiano e turco.

Na Turquia, o Presidente é eleito para um mandato de cinco anos e pode ser reeleito uma vez, mas uma alteração da Constituição, quer por referendo, quer por maioria qualificada de 2/3 da Assembleia Nacional, poderá alterar esta lei.

A coligação política liderada pelo Presidente Erdogan detém 323 dos 600 lugares do Parlamento, alcançando assim a maioria absoluta. No entanto, o Partido Verde de Esquerda, pró-curdo, dispõe de 61 lugares e o principal partido da oposição turca, o Partido Republicano do Povo (CHP, social-democrata e laico), liderado por Kemal Kiliçdaroglu (principal rival de Erdogan nas eleições presidenciais), conta com 169 deputados na Assembleia.

"O que tem acontecido na Turquia durante este ano é que o Presidente e o seu partido, juntamente com o seu parceiro de coligação, o Partido do Movimento Nacionalista, têm negociado com os curdos de modo a ter o seu apoio para emendar a Constituiçao e permitir a reeleição do Presidente", adiantou a David, doutorada em Ciência Política.

"E mais uma autonomia curda na Síria é uma ameaça a isso", afirmou, referindo-se à região curda autónoma no norte Síria, que ganhou a sua autonomia em 2012 no contexto da guerra civil síria, na qual participou a sua força militar oficial, as Forças Democráticas Sírias (SDF), lideradas pelos curdos e consideradas como um grupo terrorista por Ancara.

"Os curdos estabeleceram na região autónoma um modelo de governo que é um confederalismo democrático. É um modelo de democracia participativa, em que as várias etnias da Síria se auto-governam. E encontram soluções políticas, judiciais, sociais", explicou.

Segundo a investigadora, a autonomia curda no norte do país apresenta-se como "uma ameaça para a Turquia" uma vez que, "combinando esta autonomia com a autonomia dos curdos no Iraque", apresenta-se como "uma ameaça para o Estado turco, onde cerca de 20 a 25% do seu território é zona curda".

"Esta é uma questão muito delicada para a Turquia", reiterou.

O regime do Presidente sírio Bashar al-Assad, que esteve no poder 24 anos, foi derrubado na sequência de uma ofensiva relâmpago conduzida por uma coligação opositora, liderada pela Organização Islâmica de Libertação do Levante (Hayat Tahrir al Sham, ou HTS, em árabe) e que inclui fações pró-turcas.

A queda de Assad, que fugiu com a família para a Rússia após os rebeldes terem tomado o controlo de Damasco, ditou o fim de cinco décadas de poder da família do ex-Pesidente, mas também está a lançar várias interrogações sobre o futuro deste país devastado e fraturado por mais de uma década de guerra civil.

Ainda assim, apesar do sucesso do derrube do regime de Assad, a investigadora sublinha que existem várias questões "que ameaçam a Turquia", entre elas, o "risco" de uma "guerra civil entre as facções curdas e turcas".

A Turquia, cujo "apoio foi absolutamente fundamental" no derrube de Assad, apoia os principais grupos de rebeldes sírios, desde o HTS ao Exército Nacional Sírio, que tem estado a avançar sobre as zonas das SDF, no norte da Síria, arriscando uma intensificação da escalada do conflito num país que se encontra agora numa frágil fase de recontrução.

Erdogan tem também priorizado o combate contra os separatistas curdos do Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK) e das Unidades de Proteção Popular (YPG), que lideram as SDF, um objetivo apoiado pelo novo governo da Síria.

O Ministro dos Negócios Estrangeiros turco, Hakan Fidan, disse ao canal de notícias NTV que o objetivo estratégico da Turquia passa por "eliminar o YPG", referindo que, numa primeira fase, todos os membros não sírios do YPG terão de abandonar a Síria, seguindo-se uma segunda fase, em que todos os sírios dentro da estrutura de comando do YPG teriam de deixar o país.

No entanto, a professora do ISCSP põe em dúvida a obediência dos curdos a estas condições, pois, "mesmo tendo em conta a sua história de repressão, incluindo a por Bashar al-Assad, [os curdos] conseguiram a sua autonomia na sequência da guerra civil. Estão numa posição de poder e de força e não os vejo a abdicarem desta posição privilegiada que têm".

Isabel David referiu ainda que as relações entre Israel, onde vivem cerca de 200 mil curdos, e a Turquia estão "seriamente abaladas com esta questão, nomeadamente pelo apoio de Israel aos curdos", cujas forças na Síria têm sido essenciais no combate contra os 'jihadistas' do Estado Islâmico (EI), com o apoio dos Estados Unidos.

"Há todo um grande apoio difuso aos curdos. E o apoio de Israel é uma questão muito grande na mesa, porque, para Israel, tendo em conta aquilo que é a posição dos curdos e o seu papel no combate ao EI, o seu enfraquecimento significa rédea livre para os operacionais do EI, o que reforça também os perigos para Israel", adiantou.

Leia Também: EUA suspendem prémio por captura de líder sírio após encontro "positivo"

FONTE: https://www.noticiasaominuto.com/mundo/2694487/erdogan-visa-enfraquecer-curdos-e-mudar-constituicao-para-se-recandidatar?utm_source=rss-mundo&utm_medium=rss&utm_campaign=rssfeed


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