Protestos em Angola? "Previsíveis com degradação da qualidade de vida"
- 29/07/2025
Para o economista e jornalista Carlos Rosado de Carvalho, que classificou os casos de pilhagem e de violência ocorridos como "condenáveis e injustificados qualquer que seja o ponto de vista", o que se passou "não nasceu do nada".
"Eram mesmo previsíveis face à degradação das condições de vida dos angolanos... face às condições sociais em que se vive e qualquer rastilho pode ter consequências e pode fazer explodir o barril de pólvora", frisou, em declarações à Lusa.
Os protestos violentos coincidiram com a greve de operadores de táxis e as manifestações contra o aumento do custo de vida convocadas para segunda-feira, hoje e quarta-feira na capital angolana.
Pelo menos quatro pessoas morreram e mais de 500 foram detidas, na sequência dos protestos que começaram segunda-feira em Luanda, segundo anunciou hoje o porta-voz do Comando Geral da Polícia de Angola, Mateus Rodrigues.
Por seu turno, o analista político Albino Pikasi considerou, também em declarações à Lusa, que o Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA, no poder desde a independência, em 1975) "perdeu o controlo da situação".
Os protestos "estão a acontecer porque o povo angolano está a passar fome", sintetizou.
A este respeito, Carlos Rosado de Carvalho alerta para os indicadores económicos: "A pobreza aumentou, o desemprego aumentou, mesmo aqueles que estão empregados, os salários degradam-se a qualquer dia, o poder de compra dos salários degrada-se a cada dia e, portanto, era só, digamos assim, aparecer uma oportunidade para que isto (...) acontecesse".
"Angola está há cerca de dez anos a empobrecer, com taxas de crescimento inferiores ao crescimento da população e, portanto, isto era (...) previsível", acrescentou.
O economista apontou para as imagens disponíveis dos protestos que mostram jovens.
"Nós vemos pelas imagens que é gente muito jovem que está a participar destes acontecimentos. Enfim, a taxa de desemprego entre os jovens é superior a 50%, mas (...), eu repito, as coisas são condenáveis, são inexplicáveis, mas existe, não aparecem do nada, são o resultado de alguma coisa que já se vinha manifestando na sociedade angolana", frisou.
Carlos Rosado de Carvalho estranha a falta de polícia nas ruas no início da greve.
"Eu tenho algumas dúvidas sobre aquilo, exatamente, que está a passar e, sobretudo, pela reação das autoridades e das forças da ordem. Eu estranho que não tivesse ninguém na rua, O policiamento aparentemente não foi reforçado, tanto quanto nós conseguimos perceber. Agora, não sei se as autoridades desvalorizaram os acontecimentos e a greve. Será que, enfim, as autoridades optaram por deixar as coisas correrem para depois terem uma justificação para uma maior repressão?", questionou.
"É muito estranho que, efetivamente, numa primeira fase, as pessoas tivessem atuado sem qualquer vigilância da polícia, não é?", prosseguiu.
Albino Pikasi vê os protestos como "um ato de insatisfação da população com a governação do partido no Governo".
O analista político salientou que o salário mínimo em Angola são 70 mil kwanzas (67 euros) e questionou: "Como é que uma família africana, que geralmente é extensa, que tem quatro, cinco, seis filhos, vive com 68 euros? Como é que é possível?".
Carlos Rosado de Carvalho considera que todo o processo de retirada de subsídios aos combustíveis foi e está "mal feito".
"Isto está a ser muito mal feito. Mas este é o caminho. Não há outro caminho, porque os combustíveis são altamente subsidiados, a energia e a água também são altamente subsidiados e o orçamento não aguenta", destacou.
O que o Governo deve fazer, defendeu, é melhorar, por exemplo, os transportes públicos.
Albino Pikasi defendeu medidas de mitigação da retirada dos subsídios, mas salientou, sobretudo, que haja diálogo.
"É absolutamente necessário que isto prossiga. Agora, tem que ser feito em modo diferente, tem que ser feito com diálogo, tem que ser feito com uma boa comunicação, tem que ser feito com transparência. Por exemplo, diz-se que o Governo terá poupado 700 milhões de euros" no fim dos subsídios.
"Ora, é preciso que o Governo venha dizer exatamente quanto é que poupou, para onde é que foi o dinheiro poupado", concluiu.
Leia Também: "A situação é caótica e precária". Luanda paralisou entre a fome e o medo